questões mentais / Eletrochoque / Na era dos antidepressivos, o mais controverso dos tratamentos psiquiátricos está de volta depois de décadas de ostracismo
Trancuilo Tezoto caminhou lentamente até uma fileira de cadeiras pretas. Acomodou-se em uma delas, dobrou o corpo, descalçou os sapatos e as meias, tirou um par de sandálias de borracha de uma sacola de plástico e as ajeitou nos pés. Endireitou o corpo, tirou a dentadura e a aliança e as entregou a sua mulher, Inês, para que as guardasse. Recostou a cabeça na parede e respirou fundo, como se aquela operação banal lhe tivesse custado um esforço sobre-humano. Há quase cinco meses, duas vezes por semana, o metalúrgico aposentado Trancuilo Tezoto repete o mesmo ritual. Aos 69 anos, ele tem os cabelos um pouco grisalhos e uma calva que começa a se pronunciar. Os seus olhos parecem estar sempre marejados. Aos sussurros, ele definiu a depressão que há três anos o corrói: "É uma dor sem fim, uma angústia e uma tristeza que não passam nunca, um mergulho permanente no horror." Esse estado de espírito é acompanhado por fortes dores na nuca, inapetência e um cansaço infindável, exacerbado por noites agitadas e insones. Desde que afundou na depressão, Tezoto tomou um sem-número de medicamentos. Nenhum deles fez efeito. "Ele simplesmente não melhora", disse Inês. "Vê-lo assim é morrer um pouco a cada dia."Eram oito e meia da manhã de uma quarta-feira. O ex-metalúrgico fora um dos primeiros pacientes a chegar ao ambulatório psiquiátrico do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde seria submetido a mais uma sessão de eletroconvulsoterapia, ou ECT, o novo nome para um dos mais atacados tratamentos psiquiátricos, o eletrochoque. Tezoto passara por 35 aplicações, o triplo das sessões consideradas suficientes para ultrapassar uma crise depressiva. Os efeitos não se fizeram sentir, embora ele admita que, nos dias em que toma choque, se sinta um pouco mais aliviado. Uma enfermeira sorridente logo o chamou. "Eu durmo e não sinto nada", explicou Tezoto, sem ansiedade, antes de desaparecer por uma porta entreaberta. (...)
A ECT é agora prescrita para a depressão intensa e continuada, desordem bipolar (que alterna estados de euforia e depressão), alguns casos de mal de Parkinson, de catatonia (colapso emocional que paralisa o paciente) e de esquizofrenia (doença que, entre outros sintomas, provoca alucinações, reações violentas ou completa apatia). "Em algumas situações, o eletrochoque é o único recurso que pode tirar os pacientes de crises depressivas e afastar o risco de suicídio", disse, no Rio, o psiquiatra Marco Antonio Brasil, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e atual conselheiro da entidade. Ele considera que os excessos cometidos por clínicas e hospitais provocaram "uma reação negativa à própria terapia, e não apenas à sua má utilização". (segue...) Fonte: Revista Piauí.
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