quarta-feira, 13 de novembro de 2002

C�LULAS-TRONCO E SENSACIONALISMO



10/11/2002 - 11h21
Ci�ncia em Dia: C�lulas-tronco e sensacionalismo

MARCELO LEITE
da Folha de S.Paulo

Um dos setores de pesquisa biom�dica que mais crescem � o do estudo das c�lulas-tronco. Trata-se de um tipo de c�lula precursora que tem por caracter�stica fundamental a capacidade de transformar-se em outros tipos de c�lula, plenamente funcionais em algum tecido do corpo (como neur�nios no c�rebro). S�o por isso encaradas como uma grande promessa no desenvolvimento de terapias para doen�as e condi��es que envolvam destrui��o ou degenera��o de tecidos, como o mal de Parkinson.

Por outro lado, c�lulas-tronco tamb�m t�m a propriedade inquietante de multiplicar-se com facilidade. � uma caracter�stica que partilham com c�lulas tumorais. Com efeito, injetadas em cobaias t�m o poder de induzir a forma��o de teratomas, tumores com diversos tecidos no seu interior, de peda�os de ossos ou dentes a tecidos musculares e at� p�los.

Mesmo o mais entusiasta dos pesquisadores de c�lulas-tronco concordaria que ser� preciso proceder com cautela, no caso de um dia surgirem de fato usos cl�nicos para as c�lulas-tronco. N�o seria racional injet�-las no c�rebro de uma pessoa para tentar curar o mal de Parkinson, se n�o estiver exclu�do o risco de com isso produzir-lhe um tumor.

Philip Noguchi, do Centro de Avalia��o e Pesquisa Biol�gicas da FDA (ag�ncia de f�rmacos e alimentos dos EUA), encarregado de fiscalizar a pesquisa cl�nica com c�lulas-tronco, costuma alertar jornalistas de que "a aus�ncia de prova n�o � prova de aus�ncia", ou seja, que n�o poder provar a aus�ncia de riscos n�o significa que eles n�o existam.

Ele considera que, no caso das c�lulas-tronco, jornalistas est�o fazendo s� as perguntas positivas para cientistas, perguntas sobre o que eles j� descobriram de promissor sobre as c�lulas-tronco.

Isso decerto tem contribu�do para propagar a aura "sensacional" desse novo campo de pesquisa. Para o funcion�rio da FDA, est�o faltando mais perguntas dos jornalistas sobre o que os pesquisadores ainda n�o conseguiram descobrir sobre as c�lulas-tronco, como a origem de sua atividade tumorig�nica.

Como diz Boyce Rensberger, que dirige o programa Knight de Jornalismo Cient�fico no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), "fazer reportagens sobre ci�ncia significa procurar por sinais de cautela". A recomenda��o de prud�ncia se encontra num artigo para o �ltimo n�mero (outono de 2002) da revista "Nieman Reports" (Universidade Harvard), quase todo ele dedicado ao jornalismo cient�fico.

O padr�o de exagera��o, ou "hype", � conhecido. Foi assim com as terapias gen�ticas, foi assim com o Projeto Genoma Humano, foi assim com a descoberta dos oncogenes, foi assim com as drogas antiangiog�nicas no combate ao c�ncer.

S� depende de n�s, jornalistas, mas tamb�m dos cientistas que t�m a paci�ncia e a coragem de lidar com o p�blico, evitar que esse mesmo padr�o de euforia e decep��o se repita, por exemplo, com a nascente biotecnologia das c�lulas-tronco, ou com a da interfer�ncia de RNA, ou com a da prote�mica -que deve rivalizar com a gen�mica em seu apetite voraz pelos milh�es e bilh�es de d�lares da pesquisa biom�dica.

O sensacionalismo que se faz com a ci�ncia talvez at� seja mais danoso, no longo prazo, do que o sensacionalismo que se faz contra ela.

O jornalista Marcelo Leite frequentou semin�rio de tr�s dias sobre c�lulas-tronco com uma bolsa do Centro Knight para Jornalismo Especializado (www.knightcenter.umd.edu)



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