CRIADO CAMUNDONGO COM NEURÔNIO HUMANO
Apontado como o primeiro pesquisador brasileiro a manipular células-tronco embrionárias humanas, Alysson Renato Muotri não fez por menos. Juntamente com sua equipe no Instituto Salk, na Califórnia, ele desenvolveu camundongos com neurônios humanos. A criação da quimera não é um mero capricho científico. Pela primeira vez ficou demonstrado que as mais primitivas células do homem são capazes de se diferenciar em neurônios em animais. Mais do que isso, elas são funcionais, ou seja, realizam conexões nervosas.
O estudo ainda não foi publicado, mas será apresentado durante a XIX Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental, que será realizada entre os dias 25 e 28 de agosto em Águas de Lindóia, Minas Gerais. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Muotri falou sobre suas experiências e a importância da autorização do uso de células-tronco embrionárias humanas em estudos. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
A EXPERIÊNCIA: “Usamos células-tronco embrionárias humanas marcadas de modo a produzir uma proteína que as faz ficarem verdes. As injetamos no cérebro de embriões de camundongos, por meio de uma cirurgia intra-uterina. Depois que os camundongos nasceram e se tornaram adultos, examinamos seus cérebros. Observamos que entre as células neurais haviam algumas verdes, de origem humana. Ou seja, mostramos, pela primeira vez in vivo que as células-tronco embrionárias se diferenciam em neurônios. E mostramos também que são células maduras, capazes de realizar conexões.”
A QUIMERA: “Criamos uma quimera, cujo cérebro é, em parte, de camundongo, em parte, humano. O animal não apresentou nenhuma alteração de comportamento, provavelmente em decorrência do baixo número de células humanas. Não sabemos responder o que aconteceria se aumentássemos esse número, se estimularíamos o crescimento de um tumor ou se induziríamos alguma diferença de comportamento.”
OBJETIVOS: “Até agora, só podíamos trabalhar com tecidos abortados ou mortos. Agora temos um modelo de diferenciação embrionária humana in vivo. Usando o camundongo quimérico, podemos acompanhar todo o desenvolvimento neural de uma célula humana, sua diferenciação em neurônio. Podemos observar que genes são ativados, quais são desligados.”
TERAPIAS: “Vejo a terapia como uma coisa ainda distante. Não podemos achar que vamos transplantar células-tronco embrionárias para um adulto e curar o mal de Parkinson. Um adulto pode morrer, pode ter rejeição, desenvolver um tumor. Mas acho que esse é um primeiro passo importante porque mostra que se consegue ter resposta no ambiente natural.”
CÉLULAS ADULTAS: “Muito possivelmente não obteríamos os mesmos resultados se estivéssemos trabalhando com células-tronco de adultos. Eu trabalho com as duas e sou um fervoroso defensor das embrionárias, muito mais plásticas, muito mais flexíveis.”
CLONAGEM TERAPÊUTICA: “Com a clonagem terapêutica conseguimos uma variedade de células embrionárias. Além disso, poderíamos fazer transplantes com células do próprio paciente, o que evitaria, por exemplo, a rejeição.”
LEI DE BIOSSEGURANÇA: “O Brasil corre o risco de perder terreno nesta área, sobretudo agora em que os Estados Unidos estão para trás e outros países tomam a dianteira nesses estudos. Vejo, no futuro, todo mundo comprando remédio derivado de célula embrionária e clonada da China, por exemplo, que está abrindo pesquisas na área. É uma área importante para o Brasil e deveria ser bem aproveitada.”
Jornal: O GLOBO -Editoria: O Mundo - Página: 36
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