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A polêmica clonagem terapêutica
É importante estabelecer uma distinção entre clonagem reprodutiva humana e terapêutica. Utilizar essa técnica para produzir um ser humano completo é eticamente inaceitável. Além disso, os resultados apresentados até esse momento carecem de eficiência e não há conhecimento científico suficiente para evitar que embriões clonados sejam portadores de anomalias e malformações. E, mesmo que um dia a técnica da clonagem humana venha a ser dominada, a possibilidade de produzir óvulos e espermatozóides em laboratório - uma das tendências das pesquisas em curso nos principais centros mundiais de reprodução humana - poderá torná-la desnecessária.
Já a vertente terapêutica da clonagem envolve outras questões: está ligada à possibilidade de se liberar pesquisas com células-tronco que, futuramente, poderão abrir caminhos para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e câncer. Sob essa ótica, posições como a do presidente Bush e de alguns parlamentares brasileiros soam excessivamente radicais, em especial neste momento em que a ciência começa a se desenvolver nessa área. Como prever os prejuízos que a interrupção desses estudos poderá causar futuramente à medicina e à humanidade? Como calcular quantas vidas poderão deixar de ser salvas?
O transplante de medula óssea - utilizado no tratamento de algumas formas de câncer - é o exemplo mais comum dessa nova modalidade de transplante. As células-tronco são retiradas da medula óssea ou do sangue periférico do cordão umbilical de doadores ou do próprio paciente. Preferencialmente, o doador deve ser compatível com o receptor. A dificuldade de se encontrar pessoas compatíveis e, mais ainda, de encontrar doadores dispostos a saírem de casa por livre e espontânea vontade causa um problema gravíssimo: muitos pacientes passam anos na fila, à espera de um transplante. Para se ter uma idéia, o Registro Nacional de Doadores Voluntários de medula óssea tem cerca de 16 mil pessoas inscritas e seriam necessários cerca de 50 mil doadores, no mínimo, para que este banco funcionasse de maneira qualificada.
Esse seria apenas um dos benefícios do uso dessas células. Um levantamento prévio feito por uma associação norte-americana mostrou que, apenas nos Estados Unidos, mais de 120 milhões de pessoas - entre cardíacos, diabéticos e hepáticos - podem, em princípio, se beneficiar com as pesquisas utilizando células-tronco embrionárias. A sociedade, à medida que recebe esclarecimentos, vem recebendo bem a idéia da clonagem para fins médicos. Em 1999, 73 cientistas renomados internacionalmente lançaram um documento de apoio total às pesquisas com células-tronco.
A grande discussão subjacente à criação de embriões com a finalidade de extrair células-tronco para a criação de tecidos e órgãos é filosófica, moral e ética. Diz respeito ao momento em que a vida se inicia. Cada vez mais, a comunidade científica tende a considerar que o embrião não é vida. Um dos ramos entende que a vida só começa a partir do desenvolvimento da parte neural do embrião, por volta do 14º dia. Outra linha, na qual me insiro, aceita que o embrião passa a ter vida somente após a nidação, quando se fixa na parede do útero, por volta do terceiro ou quarto dia após sua formação.
Apesar de toda polêmica envolvendo a clonagem terapêutica, na verdade, essa técnica até o momento não passa de uma possibilidade promissora. Para se viabilizar como alternativa médica, ainda serão necessários muitos estudos e desenvolvimentos. Entendo que, no futuro próximo, se os seres humanos criarem juízo, poderão recorrer a uma estratégia bem mais eficiente e menos arriscada, que é o congelamento do sangue do cordão umbilical de recém-nascidos. Dessa forma, cada indivíduo poderá ter seu ''banco de células'' e utilizá-las em benefício próprio, durante várias décadas, em caso de necessidade. Esta será uma maneira eficiente de a humanidade não precisar mais se preocupar com clonagem.
ROGER ABDELMASSIH médico especialista em reprodução humana e Autor. Fonte: Jornal do Brasil.
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