sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Cientistas descobrem gene de Parkinson hereditário
Mutação é responsável pelo aparecimento de sintomas da doença. Outros quatro genes estão ligados ao Parkinson. Leia aqui -> Estadão.

Papel Pinel
Crônica do Jornal do Brasil, Coluna Entre Nós, Autor Paulo Blank (pauloblank@jb.com.br)

O que começou numa reação de estranhamento terminou num encontro amigável.

Noite fresca, debaixo de um chapéu-de-napoleão florido e cercados de plantas, saboreávamos quitutes mexicanos servidos no Puebla Café, na Cobal de Botafogo. Verdadeiros manjares aguardam os navegantes que se aventuram em terras situadas aquém do canal do Leblon.

Sob a árvore, ouvia o amigo falar do mundo dos parkinsonianos, prova da tenacidade humana. Soube da associação que congrega estas pessoas, do coro que ensaia, da sexualidade que desperta curiosidade em tanta gente e do olhar de estranhamento que muitos lançam ao perceber um namoro público de portadores de Parkinson. Numa tese de mestrado eles foram comparados aos estóicos, há algo de verdadeiro nesta idéia. É preciso determinação para não se deixar empurrar para os esconderijos caseiros.

Um rapaz me chama. Numa avalanche de palavras, diz que deixou trancado o dinheiro no ateliê, mostra uma chave como prova e pede ajuda para o ônibus. Diz que trabalha no Papel Pinel, onde se produzem belos presentes de Natal. Ágil, aproveita e faz reclame.

O que começou numa reação de estranhamento terminou num encontro amigável. Com a contribuição no bolso, ele se afastou contente. Lembrei que, no dia anterior, uma amiga me contou um diálogo que tem a intensidade dos ensinamentos. Uma paciente da clínica onde trabalha lhe perguntou se era "louca ou esta- giária". É que a jovem psicó- loga falava de modo tão convincente que parecia louca.

A "louca" que estranhou a convicção da moça denuncia os padrões estereotipados em que vivemos. Tanto o rapaz que, inicialmente, me incomodou como o mundo dos parkinsonianos são experiências onde o desencontro das formas provoca retração e fechamento. Passado o primeiro momento, se houver desejo de abertura, o desencontro vai alimentar novas vivências e reorganizar o modo de sentir e perceber numa forma diferente da anterior. Por isso, concordo com a Sarita, a leitora que em um exercício de etimologia poética escreveu dizendo que a palavra encontro fala do contra, do vir em sentido contrário.

Estar em sentido contrário é a norma das relações. Cada um é conduzido pelos próprios padrões e o outro acaba sendo um encontrão que pode, ou não, ajudar a reorganizá-los. Aquilo que nas teorias de comunica- ção se chama de ruído deixa de ser algo que atrapalha e se torna a essência da comunicação. Sem o ruído produzido pelos acontecimentos, a vida continuaria igual a si mesma e seríamos, até hoje, seres unicelula- res mergulhados nas águas que cobriam o planeta.

Exemplo são os casais que convivem no ruído de suas diferenças e constroem mundos dinâmicos chei- os de riqueza apesar de não parecerem "feitos um para o outro". Transformar a vida em obra de arte implica em trabalhar com o desencontro como matéria-prima da criação. Tanto os parkinsonianos como o rapaz que apregoa seu Papel Pinel fazem lembrar que, apesar dos conselhos do presidente para relativizar a lingua- gem e ocultar fatos, há grupos que resistem às tentati- vas de viver num mundo onde verdade se confunde com dissimulação. Pessoas corajosas que se recusam ao anonimato que daria aos "normais" a sensação de um mundo seguro e sem o incômodo do ruído.

Não se esqueçam, compra de Natal é no Papel Pinel, tudo feito por pessoas convincentes.
Um bom domingo.

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