quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um novo dilema: quando a incerteza é mais tolerável que a certeza
09/09/2010 - Os comitês de ética estão no momento discutindo a regulamentação para o uso do DNA de pacientes, armazenados em universidades ou institutos de pesquisas.Tem toda a razão. Mas na prática do Aconselhamento Genético, vivemos situações para as quais não há regras e as decisões precisam ser tomadas caso a caso, depois de muita discussão e reflexão. É o caso que vou relatar a seguir. O que você faria?

Pedro e sua irmã mais nova Susana vieram ao centro do genoma há 10 anos. O motivo? Queriam saber se tinham herdado o gene que causava uma forma hereditária de ataxia e que havia afetado a sua mãe, seu avô e dois dos seus tios maternos. Trata-se de uma forma de ataxia que se manifesta geralmente após os 30 anos e cuja evolução pode ser muito rápida levando a perda total de movimentos em pouco tempo. Como existem muitos genes que causam esse quadro o primeiro passo foi tentar identificar qual era a forma que havia acometido a mãe de Pedro e de Susana. Coletamos o DNA de todos mas não conseguimos descobrir qual era o gene defeituoso. Isso tornava impossível saber se os irmãos haviam herdado a mutação.

Incerteza, às vezes, é melhor que certeza
As pessoas em risco se testam sempre na esperança de não terem herdado a mutação. Mas por outro lado, confirmar que ela está presente e que ela pode se manifestar a qualquer momento, como uma bomba prestes a ser detonada, pode ser uma carga difícil de suportar. Por isso, confesso que ficamos de certa forma aliviados pelo fato de não poder determinar se os dois irmãos haviam ou não herdado a mutação. Teriam que continuar na incerteza, talvez melhor do que a certeza de uma má noticia.

O que mudou dez anos depois

Os dois irmãos acabam de voltar ao Centro de Estudos do Genoma Humano. Pedro tem 45 anos e, infelizmente, é claramente afetado. Susana, com 35, não tem nenhum sinal clínico. A sua mãe que era afetada já faleceu. Coletamos nova amostra de Pedro e, dessa vez, com o avanço das tecnologias, foi possível descobrir qual é o gene responsável por essa doença. Só que algo importante mudou. Susana não quer mais saber, em hipótese nenhuma, se herdou ou não a mutação. Não suportaria a notícia de ser portadora de uma doença tão devastadora, ainda sem tratamento. Por outro lado, ela decidiu que quer engravidar mas não quer correr o risco de transmitir a mutação para seus descendentes. Como? Optou por fazer uma fertilização assistida utilizando o espermatozóide de seu marido e um óvulo doado de uma mulher normal. Para ela, submeter-se a todo esse procedimento é menos doloroso do que arriscar saber se herdou ou não o gene “doente”.

Qual é o nosso dilema? Como ajudar?
Temos o DNA congelado de todos os membros da família quando foi coletado dez anos atrás. Seria possível testar esse DNA e saber se Susana herdou ou não a mutação, sem o seu conhecimento. Em caso positivo, ela não precisaria saber e continuaria o seu plano de se submeter a uma fertilização assistida com um óvulo doado. Mas e se não tivesse a mutação? Que noticia fantástica! Poderia se livrar de um pesadelo e ser a mãe biológica de seus filhos, naturalmente, sem se preocupar.

O que você faria caro leitor nessa situação?
Por Mayana Zatz. Fonte: Revista Veja.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observamos que muitos comentários são postados e não exibidos. Certifique-se que seu comentário foi postado com a alteração da expressão "Nenhum comentário" no rodapé. Antes de reenviar faça um refresh. Se ainda não postado (alterado o n.o), use o quadro MENSAGENS da coluna da direita. Grato.