terça-feira, 13 de agosto de 2013

‘Célula-tronco virou o termo mais marqueteiro do mundo, bateu o DNA’

13/08/13 - RIO - Em 1998, quando cientistas anunciaram ter isolado, pela primeira vez, células-tronco embrionárias humanas, vislumbrou-se uma das maiores revoluções já alcançadas na medicina. Alguns especialistas imaginaram até mesmo que, em uma década, seria possível até termos novos órgãos, prontos para transplante, feitos a partir daquelas células revolucionárias, capazes de se transformar em qualquer outra do organismo. Quinze anos depois, conseguimos fazer um hambúrguer em laboratório e médicos continuam otimistas quanto ao uso das células em terapias. Mas ainda estamos muito longe de ter um coração criado na bancada. Uma das maiores geneticistas do país, integrante do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias, Lygia da Veiga Pereira fará palestra sobre o tema “Promessas e realidade” no próxima quinta-feira, no Polo de Pensamento Contemporâneo (POP), no Jardim Botânico. “Na verdade, hoje, 99,9% ainda são promessas”, afirmou.

Em se tratando de terapia de células-tronco, o que é realidade e o que ainda é promessa?

Na verdade, hoje, 99,9% ainda são promessas. Hoje, um médico sério só pode indicar tratamento de células-tronco para doenças do sangue que, há décadas, já eram tratadas com transplante de medula óssea. Esta é a única terapia consolidada e aceita. A diferença é que hoje sabemos que ela funciona por conta das células-tronco hematopoéticas da medula (que dão origem a todas as células do sangue). Agora, o tratamento do infarto, diabetes, lesão de medula, Parkinson, Alzheimer, tudo isso é promessa. Algumas estão sendo testadas em seres humanos; outras em animais, mas é tudo promessa.

No início dos anos 2000, células-tronco da medula foram testadas em pacientes cardíacos e, na época, as pessoas se mostraram muito otimistas. Nada foi comprovado?

A grande novidade naquela virada de século era a possibilidade de, na medula óssea, existirem outras células-tronco capazes de regenerar órgãos como coração, fígado e até o cérebro — era isso que alguns trabalhos em camundongos sugeriam. Assim, foram iniciados vários ensaios clínicos em humanos. Dez anos depois, aprendemos que as células-tronco da medula óssea não têm a versatilidade proposta (apesar de ainda haver grupos insistindo que elas conseguem virar neurônio); que o mecanismo de ação mais provável dessas células é o de produzir substâncias que promovem uma autorregeneração nos diferentes órgãos onde foram transplantadas, ou uma supressão do sistema imunológico (o que pode ser interessante para o tratamento de doenças autoimunes como diabetes tipo 1 e lúpus); e que, infelizmente o efeito terapêutico das células-tronco da medula óssea não é suficiente para justificar seu uso como tratamento para doenças cardíacas, lesão de medula espinhal, diabetes tipo 2, e epilepsia, entre outras doenças. Estamos agora, então, voltando para a bancada para estudá-las novamente.

Mas, naquela época, alguns pacientes apresentaram melhoras concretas, deram entrevista e tudo o mais. Eles não melhoraram de fato?

Esse é um outro aspecto do problema: as expectativas que as pessoas têm e como é comunicado para o grande público. O sujeito recebe uma injeção de célula-tronco e, no dia seguinte, aparece batendo bola. O que isso quer dizer? Não quer dizer nada, na verdade. É apenas uma pessoa. A única conclusão científica que se pode tirar disso é que não houve nenhum efeito deletério naquele indivíduo por 24 horas. Então, acho que os cientistas também devem tomar cuidado com a forma de comunicar as coisas. Célula-tronco virou o termo mais marqueteiro do mundo, bateu o DNA.

Muitas terapias com célula-tronco estão sendo oferecidas, na parte médica e também na parte estética. É tudo falso?

Por conta dessa percepção distorcida, surgiram muitos “tratamentos” com células-tronco. Clínicas oferecem terapia para esclerose lateral amiotrófica, Aids, lesão na medula, e não há nenhuma comprovação, nenhuma literatura científica sobre isso. Aliás, não sabemos sequer o que eles estão injetando. E se aproveitam de brechas da legislação e do desespero das pessoas. Se eu tivesse uma doença dessas, não sei se resistiria.

E as células-tronco embrionárias? Elas já começaram a ser testadas em seres humanos. São mais promissoras?

Sim, estou muito entusiasmada, acho que vivemos um momento histórico, com o início dos testes com células embrionárias, em 2010, para lesão da medula e retina. Mas esses estudos iniciais são para verificar a segurança do procedimento. Ainda há o fantasma da formação de um tumor. Essas células são muito versáteis, podem se diferenciar em células de fígado, coração, olho. Então tenho que ter certeza de que se mandei virar fígado, ela não vai virar outra coisa e formar um câncer. Em testes com dois mil camundongos não houve formação de tumor. E elas realmente se transformam, estamos muito entusiasmados. Mas são promessas ainda.

Linha do Tempo

1981. O pesquisador Martin Evans conseguiu isolar células de embriões de camundongo, e multiplicá-las no laboratório, gerando uma fonte potencial de células extremamente versáteis para transplantes.

1998. Foram isoladas, pela primeira vez, células-tronco de embriões humanos. As experiências com camundongos já mostravam o potencial de formação de tumor.

2000. Começam os testes com células-tronco de medula, uma alternativa mais segura. Mas elas não mostram bons resultados.

2010. Driblados problemas de formação tumoral, começam os testes de células-tronco embrionárias humanas para lesões na medula e na retina. Fonte: Globo G1.

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