domingo, 13 de julho de 2014

PESQUISAS EM HUMANOS

PESQUISAS EM HUMANOS

EM BUSCA DE ALÍVIO com tratamentos inovadores, pacientes participam como voluntários em
centenas de experimentos médicos desenvolvidos por instituições de referência no RS

 Bastões nórdicos contra o Parkinson
Na primeira vez que pisou na pista atlética, o paciente da doença de Parkinson João Kern, 58 anos, conseguiu caminhar 400 longos metros, em passo trôpego, com as hesitações e o cansaço que o mal impõe.

Na última sexta-feira, três meses depois de exercícios regulares, percorreu quatro vezes a mesma distância, e ainda sobrou fôlego. Para ele, uma façanha.

Kern e outros 28 voluntários estão recuperando parte da mobilidade, da resistência e do equilíbrio graças ao projeto “caminhada nórdica”, lançado em novembro pela Escola de Educação Física (Esef), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com o apoio de dois bastões – método europeu de quem aprecia andar por lugares com neve –, ganharam confiança para se locomover.

– Retomei os movimentos nos braços e no corpo – comemora Kern, servidor do Poder Judiciário.

A caminhada nórdica foi criada pela professora da Esef Elren Passos, aluna de mestrado na área das ciências do movimento humano. Ela deduziu que a prática auxiliaria na reabilitação dos pacientes, porque a doença de Parkinson afeta a coordenação motora e, por consequência, a locomoção.

– O uso de bastões é comum na Europa, proporciona um exercício específico – destaca Elren.

Funcionando como bengalas, os bastões proporcionam equilíbrio e ânimo para avançar na caminhada. Os resultados já aparecem: quem andava a 0,5 km/h hoje vai a 2,5 km/h. Também aumentou a mobilidade funcional, em atividades como levantar da cadeira e girar o corpo.

Voluntários confirmam a evolução. Há 12 anos com a doença de Parkinson, Flávio Cauduro, 69 anos, pôde caminhar apenas 150 metros na sua estreia, em maio, demorando 15 minutos para cumprir o trajeto. Atualmente, leva nove minutos para dar a volta de 400 metros na pista.

– Para mim é uma vitória. Já que não posso me livrar da doença, consigo estabilizá-la com os efeitos da caminhada. Também diminui o número de quedas – conta Flávio, ex-professor universitário.

AÇÃO FOI MANTIDA A PEDIDO DE PACIENTES

Os participantes temiam que o programa não fosse renovado. Marcus Anflor, 55 anos, e outros chegaram a enviar um documento à Esef pedindo a continuidade.

– Nossas vidas mudaram positivamente – diz Marcus, consultor de empresas.

Heriberto Roos Maciel, 51 anos, promotor de Justiça e professor universitário, espera permanecer na pesquisa. Lamenta que foi “sorteado” pelo Parkinson há 10 anos e precisa se fortalecer.

Os receios sobre o projeto terminaram neste sábado. Na festa de formatura, o coordenador da pesquisa pela Esef, Leonardo Tartaruga, trouxe o presente mais esperado: a caminhada nórdica será ampliada e mais voluntários serão convidados. A conclusão é de que contribuiu para melhorar a aptidão física e a função cognitiva (falar, operar o computador, comunicar-se pelo Skype e outras tarefas antes limitadas).

– Alguns nem conseguiam caminhar de forma independente por falta de equilíbrio – lembra Leonardo.
ESPERANÇA NA CIÊNCIA

Ela não conseguia sequer varrer o chão da cozinha, perdia o fôlego e tonteava com as vertigens de desmaios. Não se animava a subir os 15 degraus da escada da casa onde mora, no bairro Cascata, na zona sul de Porto Alegre, porque temia desfalecer. Ficava sem ar até mesmo ao telefone, caso o interlocutor prolongasse a conversa. Eram os efeitos da hipertensão pulmonar, que suga as forças de quem é acometido pela doença.

Essa mulher que estava sempre extenuada recuperou parte do vigor ao entrar numa pesquisa desenvolvida pelo Complexo Hospitalar Santa Casa, na Capital. Faz parte do grupo de pacientes voluntários, os quais se submetem a tratamentos inovadores, por vezes usando medicamentos ainda não autorizados no Brasil – embora de eficácia comprovada em outros países.

Escassos até a década de 1990, os projetos clínicos com pessoas se multiplicaram – já são quase 500 no Estado nas várias especialidades da Medicina. Executados em parceria com a indústria farmacêutica, são considerados imprescindíveis para descobrir medicamentos e curar doenças raras.

– Eles trazem retorno à sociedade – destaca Eduardo Pandolfi Passos, professor, médico e entusiasta dos testes.

Voluntários como a paciente de hipertensão pulmonar atestam o êxito das experiências. Aos 39 anos, técnica em laboratório licenciada do trabalho, ela não pode ser identificada por razões éticas (usa medicamento não liberado no país, o que torna obrigatório o sigilo). A paciente conta que ingressou na pesquisa clínica em 2010, depois de perambular por consultórios sem obter respostas.

– Agora estou feliz, antes não tinha esperança – diz ela, enquanto afaga a gata de nome Menina.

EXPERIÊNCIA TEM PADRÃO MUNDIAL

Não se achava explicação para o cansaço sem fim. Os diagnósticos variavam de asma a sopro no coração. A técnica de laboratório se empanturrou de remédios, nada adiantava. Até que uma médica da Santa Casa a convidou para testar um novo medicamento (o nome também não pode ser publicado, para não quebrar o pacto de segredo com o laboratório fornecedor).

– Vivia cansada, com dificuldades para respirar – conta a paciente.

A coordenadora da pesquisa sobre hipertensão pulmonar na Santa Casa, Gisela Meyer, diz que experiência similar ocorre nos Estados Unidos e na Europa. São programas multicêntricos, isto é, envolvem empresas farmacêuticas de ponta, que lançam drogas.

– Somos referências pelo número de participantes – ressalta.

Até 20 anos atrás, a hipertensão pulmonar era fatal. Não havia medicamento para aliviar a elevação da pressão sanguínea nas artérias que transportam o sangue do coração para os pulmões. O paciente ficava em casa recebendo oxigênio, diurético e anticoagulante, com sobrevida média de três anos. A única salvação era o transplante.

– Estamos descobrindo novas formas de tratamento – diz Gisela.
Benefícios são de mão dupla 

A medicina avança por meio das investigações com pacientes voluntários, que estão no front de recentes descobertas. Elas possibilitam o lançamento de novas drogas. Criam uma rotina de atendimento aos doentes nos hospitais. Permitem a troca de experiências entre médicos de diferentes países. Ajudam a buscar a cura para males tão nocivos como insolúveis.

O número de experimentos médicos aumenta a cada ano no Estado. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) mantém 195 programas – 15 a mais do que em 2012. O coordenador do Grupo de Pesquisa e Pós-graduação, Eduardo Pandolfi Passos, diz que o HCPA oferece dois prédios exclusivos para voluntários.

– Os maiores benefícios são gerar conhecimento e transferir tecnologia – destaca Passos.

Quem é atendido no HCPA – ou em outros hospitais – não será alvo automático de testes. Só poderá entrar em algum se for selecionado mediante encaminhamento do médico, e se aceitar os termos do tratamento. Há regras a cumprir, estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O HCPA é acreditado internacionalmente pelos programas médicos com voluntários. Apresenta-se como o primeiro hospital universitário do país a instalar o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), em 1997, condição para fazer ensaios clínicos com novos remédios.

Outras instituições também progridem. O Hospital Mãe de Deus (HMD) formulou 86 protocolos (padrões de atendimento médico) desde 2002, somente com pesquisas do coração. O gestor do Instituto de Medicina Vascular do HMD, Euler Roberto Manenti, afirma que novos hipertensivos e anticoagulantes foram aprovados em função dos projetos clínicos.

– É a única maneira de o conhecimento avançar na Medicina. Nenhum tratamento será recomendado se não tiver o ensaio clínico com pessoas – informa Manenti.

DROGAS PARA DIABETES E CÂNCER

Voluntários não devem ser chamados de cobaias, porque optaram e podem desistir a qualquer momento. Um dos mais entusiasmados é João Batista Ribeiro de Vargas, 56 anos, que trabalha como segurança. Cardíaco e diabético, pesava 130 quilos e sofria ataques repentinos.

Em janeiro de 2013, Vargas aderiu ao projeto do HMD. Persistiu na medicação e mudou a alimentação – ingeria três litros de refrigerante por dia e devorava hambúrgueres de dois andares, estufados de bacon, ovo frito e linguiça calabresa.

– Baixei o peso para 95 quilos e passei a caminhar – diz João, agora devoto das saladas verdes.

Pai de dois filhos e avô de uma menina de quatro anos, João tem mantido colesterol e diabetes sob controle. O programa tem duração de cinco anos, mas ele gostaria que fosse prolongado.

Outro paciente satisfeito é um empresário de 48 anos, da Capital, cujo nome não pode ser divulgado por usar medicamento em teste. Ao ingerir a droga, no HCPA, abrandou os efeitos da quimioterapia para tratamento de um linfoma folicular (cancro no pescoço).

O voluntário sente que o remédio – um genérico a ser liberado – é menos agressivo. Não provocou queda de cabelo nem maiores desconfortos. Também parece ser mais eficaz. No começo, ele recebia uma dose a cada 21 dias. Agora, uma infusão a cada três meses.

– Quando me convidaram, não tive a mínima dúvida – conta ele.

NILSON MARIANO | NILSON.MARIANO@ZEROHORA.COM.BR
PARA FAZER PARTE
Como se dá o processo de pesquisas com humanos
-Os ensaios com participação de voluntários são reguladas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
-O paciente é indicado pelo seu médico, se ele entender necessário o tratamento diferenciado
-Hospitais precisam ter o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e equipes habilitadas
- Voluntários recebem medicação e, em alguns casos, ajuda para o transporte e lanche
MEDICINA GAÚCHA
Confira experimentos desenvolvidos por hospitais de referência no Rio Grande do Sul
HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE (HCPA)
-195 projetos em andamento
-3.618 pacientes voluntários, que receberam em torno de 10 mil consultas
-A maioria dos projetos está nas áreas de oncologia, hematologia, reumatologia, cardiologia e genética
COMPLEXO HOSPITALAR SANTA CASA
-102 projetos em andamento
-O maior número está nas áreas de oncologia (39), cardiologia (18), nefrologia (12), pneumologia (nove) e obstetrícia (sete)
-Também há pesquisas em dermatologia, endocrinologia, hematologia, infectologia, neurologia, transplante, traumatologia e urologia
INSTITUTO DE CARDIOLOGIA FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA
-Em torno de cem projetos em andamento
-Os principais envolvem o consumo da carne vermelha (se faz bem ou mal), efeitos do chimarrão ao coração (flavonoides da erva-mate),
 células-tronco e hipertensão
HOSPITAL MÃE DE DEUS (HMD)
-50 projetos, envolvendo 464 pacientes voluntários
-Mantém três núcleos de pesquisas clínicas: Instituto do Câncer, Instituto de Medicina Vascular e Centro de Pesquisas em Pneumologia e Infectologia
Fonte: Zero Hora.

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