Constatação é de pesquisadores
israelenses após testes de aptidão artística feitos com 54 voluntários.
Dopamina, substância usada no tratamento da doença, pode explicar
característica
Mãos
por vezes trêmulas e capazes de esculpir engenhosas obras de arte.
Aparentemente improvável, essa é a realidade de Carlos Anibal Pyles Patto, de
67 anos. Ele foi diagnosticado com a doença de Parkinson em 1989, quando era
piloto ativo da Aeronáutica. A aposentadoria veio em 2000 e, 10 anos atrás,
surgiu a arte. Carlos Anibal acredita que sempre teve inclinação para ela, mas
começou a produzir somente quando surgiu mais tempo livre e, simultaneamente, a
doença começou a avançar. Hoje, trabalha com madeira, gesso, resina, entre
outros materiais. Confessa apenas a dificuldade com detalhes finos, driblada
por um potencial criativo sem igual. A história excepcional chama atenção, mas
não surpreenderia a pesquisadora israelense Rivka Inzelberg, da Universidade de
Tel Aviv. Um estudo liderado por ela e publicado na revista Annals of Neurology
documenta a criatividade excepcional de parkinsonianos e demonstra
definitivamente que eles são mais criativos que seus pares saudáveis.
Esse
diferencial em pacientes com Parkinson já era percebido por Inzelberg. Em 2012,
ela relatou o particular sucesso criativo em indivíduos diagnosticados com o
problema na publicação Behavioral Neuroscience. No artigo, a pesquisadora e a
equipe liderada por ela revisaram estudos de caso de todo o mundo e descobriram
uma consistência nos resultados. Desde então, começaram testes empíricos para
verificar qual seria a ligação entre a doença e a inclinação artística. “Tudo
começou com a minha observação de que as pessoas com Parkinson têm um interesse
especial na arte e nos passatempos criativos incompatíveis com suas limitações
físicas”, detalha. Outro fator observado foi que os pacientes que ingeriam
altas doses de medicação eram ainda mais criativos que os menos medicados.
“Em minha pesquisa atual, realizamos o primeiro estudo abrangente para medir esse pensamento criativo. Essa não era uma tarefa simples. Como se faz uma medida ou se quantifica a criatividade? Nós mesmos tivemos de pensar criativamente (para resolver isso)”, diz Inzelberg. Os pesquisadores realizaram uma bateria completa de testes em 27 voluntários com a doença degenerativa e tratados por meio de medicamentos e 27 pessoas saudáveis. Todos os participantes tinham idade e nível educacional semelhantes. Os testes incluíram o exame de fluência verbal, em que uma pessoa é convidada a falar palavras diferentes que começam com uma determinada letra ou de uma determinada categoria (frutas, por exemplo).
“Em minha pesquisa atual, realizamos o primeiro estudo abrangente para medir esse pensamento criativo. Essa não era uma tarefa simples. Como se faz uma medida ou se quantifica a criatividade? Nós mesmos tivemos de pensar criativamente (para resolver isso)”, diz Inzelberg. Os pesquisadores realizaram uma bateria completa de testes em 27 voluntários com a doença degenerativa e tratados por meio de medicamentos e 27 pessoas saudáveis. Todos os participantes tinham idade e nível educacional semelhantes. Os testes incluíram o exame de fluência verbal, em que uma pessoa é convidada a falar palavras diferentes que começam com uma determinada letra ou de uma determinada categoria (frutas, por exemplo).
Os voluntários foram, então, convidados a se submeter a um teste mais desafiador de associação remota, em que tinham que nomear uma quarta palavra (após três dadas) dentro de um contexto fixo. Se o exercício trazia as palavras maçã, banana e mamão, o participante deveria perceber que elas fazem parte do contexto frutas e nomear uma quarta, pêra, por exemplo. Os grupos também foram testados quanto à interpretação de imagens abstratas. O objetivo desse atividade era avaliar a imaginação inerente a respostas e perguntas como “o que você pode fazer com sandálias?”. Durante todas as provas, os participantes com Parkinson deram respostas mais originais e interpretações mais pensativas do que os voluntários saudáveis.
Surpresa
musical
O
militar aposentado Carlos Anibal pode ser considerado um dos melhores exemplos
das conclusões a que os pesquisadores da instituição israelense chegaram. Ele é
presidente da Associação de Parkinson de Brasília, cujos integrantes se reúnem
todas as tardes de sábado na Escola Classe da 206 Sul e se dedicam a atividades
artísticas como principal incentivo à realização de movimentos. O coral de
música popular é uma delas.
A
música como terapia para parkinsonianos também tem suporte científico. Duas
vezes ao mês, um grupo diversificado de pessoas com a doença se reúnem no
Northwestern Memorial’s Prentice Women's Hospital, em Illinois, nos Estados
Unidos, e comprovam a teoria. “Nosso objetivo é encontrar novas abordagens para
ajudar esses pacientes a tratar a doença”, explica Diane Breslow, coordenadora
e assistente social do Centro de Terapia pela Arte do hospital. “Muitas vezes,
com a doença de Parkinson, há um medo do futuro e do desconhecido. Queremos dar
a esses pacientes uma melhor maneira de viver com a doença.”
Além
dos benefícios psicológicos, Breslow observa melhoria da coordenação motora e
do movimento funcional, consciência postural e enriquecimento da fala e da voz.
“Na parte de música, os pacientes estão aprendendo o conceito de ritmo que os
ajuda a melhorar a marcha e o movimento.”
Comum na terceira idade
A
principal causa da doença de Parkinson é a morte das células do cérebro,
principalmente na área chamada de substância negra, que está ligada à produção
da dopamina. Segundo o manual , a doença degenerativa e progressiva afeta um em
cada 250 indivíduos com mais de 40 anos e um em cada 100 que tenham passado dos
65 anos. Em geral, começa de forma assintomática. Depois, em dois terços dos
pacientes surgem os tremores rítmicos da mão, que desaparecem durante o sono.
Outros sintomas associados ao início da doença são rigidez muscular, distúrbios
da fala, dificuldade para engolir, depressão, distúrbios do sono, respiratórios
e urinários. O tratamento pode ser medicamentoso, psicoterápico e até
cirúrgico.
Influência de
um neurotransmissor
A
doença de Parkinson evolui envolvendo preferencialmente o sistema motor.
Somente na fase tardia, a cognição passa a ser comprometida, podendo ocorrer,
inclusive, a demência associada. Neurologista do Centro de Doença de Alzheimer
e Parkinson do Rio de Janeiro (CDAP/RJ), Vanderson Carvalho Neri explica que o
estudo israelense que relaciona o problema degenerativo e a criatividade não
descreveu o tempo médio de sintomas dos participantes. Ele acredita que
certamente foram incluídos pacientes na fase inicial ou intermediária da
doença, até mesmo porque a existência de demência foi considerada como critério
de exclusão. Portanto, diz o médico, a administração de dopamina nessa fase
poderia, sim, ter impacto em várias funções cerebrais, inclusive nas descritas pelos
autores, como criatividade verbal e visual.
Um
fator que muitas vezes pode mascarar essa informação é a ingestão, durante o
tratamento, de outros medicamentos que causem efeitos colaterais e que
interfiram nessas funções. “Entretanto, trata-se de um estudo inédito, com
importantes informações nos quesitos que se propõe avaliar e que nos desperta
para a necessidade de estimular a criatividade desses pacientes também como um
aspecto para melhorar a qualidade de vida deles”, avalia.
Neri ressalta que a terapia dopaminérgica, mais prescrita para pacientes com Parkinson, não inclui apenas a administração de levodopa, droga que, no cérebro, se converte em dopamina, mas também dos antagonistas ao neurotransmissor, isto é, as substâncias que favorecem a liberação da dopamina intraneuronal. O médico lembra que, com a evolução inexorável da doença, há uma degeneração neuronal, inclusive do córtex cerebral. Portanto, ele considera que os resultados estão relacionados ao tipo de tratamento utilizado e à fase de evolução da doença em que os pacientes foram estudados.
“A avaliação com testagens específicas para esses achados certamente confirma isso. Na prática clínica, esse fato não é tão fácil de ser observado, uma vez que, em nosso sistema de saúde, muitas vezes não é possível, ou viável, a aplicação de tantos questionários de avaliação cognitiva”, argumenta. Assim, essa diferença não se torna tão evidente, não é percebida ou relatada com frequência pelos cuidadores, mesmo em serviços com grande número de pacientes como o deles. O neurologista acredita que esse é um dado a mais sobre o universo do Parkinson e serve para elucidar outro aspecto da doença: a cognição, o que seria importante para o desenvolvimento de procedimentos de reabilitação, também cognitiva, além das técnicas motoras já existentes para estimular funções cerebrais. (BS)
Efeitos diversos
É um
neurotransmissor reduzido no cérebro do parkinsoniano e reconhecidamente
envolvido no processo motor. A dopamina participa de uma série de outras vias
cerebrais, como as ligadas à memória, ao sistema de recompensa, à atenção, ao
sono, ao humor e à aprendizagem. Trata-se, portanto, de um neurotransmissor
muito variado, com muitas vias partindo do seu local de origem: a substância
negra do cérebro. Se falta dopamina, a motrocidade automática de um indivíduo é
interrompida. Essa pessoa, então, passa a ter dificuldade para realizar
movimentos simultâneos, como andar e conversar ao mesmo tempo. O cérebro acaba
se ocupando em cuidar de tarefas que deveriam ser automáticas e deixando de
lado outras funções importantes. A dopamina é prescrita no tratamento de
pacientes com Parkinson justamente para estimular o funcionamento de vias que
estejam se tornando latentes pela falta dela.
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