sexta-feira, 8 de março de 2002

David Lodge

Andei comentando aqui livros de Davi Lodge. Esta semana recebi de uma pessoa amiga a resenha de obra (Pense) daquele autor escrita por Rafael Cardoso, publicada no Jornal do Brasil, [23/FEV/2002], transcrita abaixo.

PENSE...
David Lodge
Best Seller, 384 p�ginas
R$ 39

A orelha do livro anuncia, hiperb�lica, que ''David Lodge � um dos mais importantes e inovadores escritores da atualidade''. Com toda certeza, n�o chega a tanto. Mesmo assim, a nega��o desse exagero precisa ser qualificada. Com mais de dez romances publicados, Lodge �, sem d�vida, um autor maduro, em pleno dom�nio de sua voz narrativa e tarimbado no uso de toda esp�cie de recurso t�cnico da escrita. Em seu novo romance, Pense..., ele se permite brincadeiras t�picas de um virtuose liter�rio ao parodiar em alguns trechos o estilo de colegas consagrados como Martin Amis, Salman Rushdie, Samuel Beckett e Irvine Walsh, entre outros.

Infelizmente, a gra�a desses exerc�cios de pastiche se perde quase que inteiramente em fun��o da qualidade deplor�vel da tradu��o, o pior dentre os males com os quais a Editora Best Seller vitima o insuspeito autor ingl�s.

O enredo de Pense... � bastante comum, at� trivial. Helen Reed, uma escritora bem sucedida de meia idade, chega � fict�cia Universidade de Gloucester para lecionar no curso de gradua��o em cria��o liter�ria por um ano, substituindo o professor regular que est� de licen�a. L�, ela conhece Ralph Messenger, o carism�tico diretor do centro de ci�ncia cognitiva e figurinha f�cil da m�dia brit�nica, a qual o convoca a todo momento para explicar ao p�blico leigo os mist�rios da consci�ncia humana. Desprezado por colegas invejosos como um ''cientista televisivo'', Messenger � adorado pelas esposas dos mesmos, bem como por nove entre dez mulheres que povoam o romance.

Com�dia - Embora t�mida e fragilizada pela morte recente do marido, Helen se sente balan�ada pelo poder de sedu��o de Messenger e passa a contemplar a possibilidade de um caso amoroso com ele, hip�tese que rejeita de in�cio por causa da amizade que sente pela esposa dele, Carrie. Trocando em mi�dos, a trama do livro resume-se basicamente a uma com�dia de costumes sexuais transcorrida em um campus universit�rio da Inglaterra, assunto que Lodge domina com bastante intimidade por ser, al�m de escritor, professor da Universidade de Birmingham.

O enredo leve e despretensioso, que poderia se tornar uma chatice das mais previs�veis nas m�os de um autor menos inteligente, oferece uma estrutura enxuta para Lodge introduzir no texto uma dimens�o rica e frut�fera de metalinguagem narrativa e de discuss�es conceituais sobre a consci�ncia e os malogros intr�nsecos � comunica��o dos sentimentos.

Sem nunca se tornar ma�ante, o autor faz uso do desdobramento fict�cio de sua pr�pria personalidade nos personagens do professor mulherengo e da escritora moralista para empreender divertidas reflex�es sobre os limites dos encontros e desencontros entre as percep��es que cada um faz do mundo, de si pr�prio e dos outros. Lodge realiza essa complexa tarefa atrav�s de um esfacelamento eficiente da narrativa em diversas vozes, principalmente os di�rios dos dois personagens, entremeados de cap�tulos narrados na terceira pessoa, e mais alguns documentos heterog�neos anexados de modo ligeiramente canhestro, tais quais e-mails e exerc�cios liter�rios dos alunos de Helen.

Henry James - Com sua fina observa��o de detalhes e costumes, registrados com uma habilidade indiscut�vel de evocar a intera��o social atrav�s da descri��o precisa de gestos, olhares, disfarces - enfim, todo o teatro das rela��es humanas -, Lodge estabelece paralelos contempor�neos com a obra de Henry James, autor que ele homenageia explicitamente em Pense.... Se isto ainda o deixa longe de ser um dos escritores mais importantes e inovadores da atualidade, j� � bastante coisa, mesmo assim.

Inteligente e divertido ao mesmo tempo, o romance rende boas risadas para qualquer um que j� conheceu, ou quis conhecer, o meio universit�rio brit�nico. Por�m, para essas pessoas, recomenda-se a leitura do romance no idioma original, pois a presente edi��o � um campo minado de erros de tradu��o e de descuido na revis�o. Para citar apenas o exemplo mais grotesco de ambas as coisas, a filhinha de Ralph Messenger, Hope, aparece como ''filho ca�ula''por erro de tradu��o, e reaparece depois como menina em falha gritante de revis�o. Da capa insossa � tradu��o displicente, um autor da eleg�ncia de David Lodge merecia coisa melhor.


Rafael Cardoso � escritor


[23/FEV/2002]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observamos que muitos comentários são postados e não exibidos. Certifique-se que seu comentário foi postado com a alteração da expressão "Nenhum comentário" no rodapé. Antes de reenviar faça um refresh. Se ainda não postado (alterado o n.o), use o quadro MENSAGENS da coluna da direita. Grato.