sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Frustrações

Essa noite sonhei, e fico feliz quando tenho sonhos, pois não é comum, ou, pelo menos, de lembrar que sonhei. Obviamente não lembro exatamente o quê sonhei. É bom porque esqueces por um lapso a realidade.

Mas numa bruma lembro da minha 1a nota em cálculo (matemática infinitesimal). Explico: estudei em escola técnica onde, no curso de eletrônica, as disciplinas formais (matemática, biologia, química, etc.) eram muito fracas, em contrapartida tinha aulas de lógica booleana, relés, telefonia, válvulas, o incipiente estado sólido (diodos e transístores e os indefectíveis circuitos PNP e NPN).

O vestibular para engenharia elétrica foi fácil, pois aprendi como cão de Pavlov, em cursinho pré-vestibular. Fui treinado para passar. Entrei na UFRGS, na época uma façanha, considerando o 2o grau cursado.

Imagine a frustração ao receber a 1a nota em cálculo: 0,8. Sobre 10!

Aí realmente senti na própria carne um dos ditados do meu pai: ovelha não é p'ra mato! Porque eu, um técnico de 2o grau, vai se querer se meter a ser engenheiro eletricista?

Como em todas as situações difíceis que encontrei na vida eu dava um jeito, contornava, estudava mais, imergia totalmente no desafio, etc. E sempre vencia.

A vida ia bem, dois filhos maravilhosos, profissão cheia de desafios e rentável, … Eis que num certo momento, aos 43, surgiu um novo desafio. Enfrentar a doença de Parkinson! A começar pela separação da ex-mulher, previamente ao diagnóstico formal, pois já tinha a doença e não sabia. Um vazio. Depois aceitar a doença, com todos os ingredientes de novela mexicana, etc..

Mas sentou a poeira, observei o panorama, o desafio, e armei uma estratégia. Primeiramente me informar, visto a minha total ignorância no assunto. Após isso, joguei todas minhas fichas no dbs, pois sabia ser uma terapia paliativa eficiente, reversível, onde eu ganharia tempo. Criei coragem e mexi no “santuário das ideias”. Em 2006 instalaram os eletrodos nos núcleos subtalâmicos. Não me arrependo, pois faria tudo de novo. Fui o 6o no RS. Realmente ganhei tempo, pois reduzi muito a quantidade de medicamentos, particularmente a l-dopa, que não tenho dúvidas, quanto menos possível, melhor.

Mas a “coisa” ainda não estava bem definida. Matéria recente mencionou a ineficácia da neuro estimulação elétrica do STN no controle da marcha, na fala e na possibilidade de gerar blefaroespasmos (ainda incerta). O núcleo pedunculopontino (PPT) seria o mais eficiente para controlar a marcha. Mas ainda estão em testes.

O tempo está findando, ou já findou. O dbs não mais me permite caminhar sem l-dopa. Mesmo para ir da cama ao banheiro, tenho que ir engatinhando. Um metro parece um quilômetro. O aumento da dosagem de l-dopa traz muitos prejuízos, principalmente na qualidade do sono e na qualidade de vida em geral.

Este novo desafio se impõe. É muito difícil conviver com esta doença. Não dá para acreditar que no século 21, 200 anos após a descoberta da doença, ainda não exista cura!

É barra pesada enfrentar este inimigo. Estou sem alternativas para driblá-lo, contorná-lo. Estou muito frustrado.

A coisa recai no abstrato, na fé, na crença num deus ou em Deus.

A quem olha de fora posso dizer que a frustração é infinitamente pior do que tirar a nota 0,8. Estamos de mãos amarradas, não tem o que se fazer. Aliás, tem: rezar.

Minha solidariedade a todos os que padecem desta terrível doença! Que venha logo esta cura, ou que no mínimo, minorem nosso sofrimento. Tá difícil. É frustrante.

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