domingo, 22 de março de 2015

Fator álea e o futuro, por Hugo(*)

Quando a gente nasce, nossa genética será determinante no nosso destino. Você pode não aceitar isso, pode alegar que tal determinismo não existe. Pode ser mais ou menos determinante. Mas existe. Tu podes ter sorte, ou tu podes ter azar. Na área de seguros, onde tudo se traduz em valores, dinheiro, a isto chama-se fator álea, uma situação onde há a possibilidade de prejuízo simultaneamente à de lucro. O termo advém da célebre frase de Gaius Iulius Caesar (Júlio César), ao atravessar o rio Rubicon: "Alea jacta est", ou "a sorte está lançada". Mas é uma situação tua e somente tua, assim como teus cromossomos. Só pertence a ti, e é o que nos diferencia uns aos outros, os ditos pensantes.

Existe uma empresa norte americana chamada 23andMe. Pertence à ex esposa Anne Wojcicki de um dos donos do Google, o Sergei Brin, que sabe-se ter uma carga genética que pode levar ao Parkinson. A mãe de Brin, cujo nome curiosamente é Eugenia, tem a doença. Pois a 23andMe, junto com a empresa Genentech, resumidamente, está sequenciando a carga genética das pessoas mediante remessa de saliva, que deve ser enviada através de um kit padronizado de coleta e um módico pagamento. Com o sequenciamento genético, ainda em fase de aprimoramento, será definida a possibilidade de alguma pessoa desenvolver o parkinson, por exemplo. Imagina-se que num futuro não muito distante os operadores de planos de saúde farão o uso deste tipo de dado para seus estudos atuariais de forma a definir o quanto cobrarão dos seus segurados. Questões de ética estão envolvidas. Lembro, porém, que a lei da gravidade, p. ex., é irrevogável...

Imagine se tua carga genética apresentar indícios de que tu possas desenvolver parkinson ao longo da tua vida? Isto implica num fator de sorte ou azar, somente teu e de mais ninguém, ou seja, o "fator álea" é teu. Do seguro/plano de saúde não mais será. Para a operadora não mais haverá a possibilidade de prejuízo.

O prejuízo será sempre da pessoa física, ou seja, nós os mortais. Já não bastasse os prejuízos da doença em si, estaremos lançados à própria sorte, e com o fator álea é cada vez mais nosso. Leia-se:  o azar.

Este azar possui uma ordem de grandeza incomensurável. Manifesta-se inclusive nos papéis que a vida nos reserva. Papéis de valores insondáveis, não seguráveis. O papel de chefe de família por exemplo, de homem, dentro de uma simplória visão da sociedade para não se alongar. Tu, neste papel, representas ou tens o protagonismo da tua vida e dos que te cercam. E esse papel de protagonista a própria sociedade e as pessoas, até de maneira involuntária, te cobram. O fato é que com o parkinson este protagonismo vai se arrefecendo. Tu passas a viver dentro de uma situação “on / off” na qual as tuas atitudes sofrem um processo de, literalmente, “liga / desliga”, no bom português.

Tuas ações são interrompidas, as coisas ficam pela metade, à tua própria revelia. A tomada de decisões passa a ficar prejudicada. Tu vais gradualmente passando de protagonista da tua vida e dos que te cercam, a coadjuvante. Os cuidadores e familiares te vêem como se tu ainda fosses o mesmo, e o barco da vida vai ficando à deriva, sem o timoneiro que segura o leme. Este é o papel que a família e os cuidadores devem ter em vista, a crescente incapacidade de protagonismo por parte da pessoa com parkinson, com a necessidade de uma crescente capacidade da família e/dos cuidadores de irem assumindo este protagonismo. Esse prejuízo deve ser objeto das terapias individuais ou em grupo dos envolvidos. E tudo isto no final só depende de uma coisa, do fator álea, cujo lado ruim é todo nosso. Eppur si muove! Mas, Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.

(*) Hugo – 59, diagnóstico aos 43, casado, dois filhos (1o casamento), dois enteados, três netos “tortos”, engenheiro, aposentado por invalidez pelo INSS, dbs, mora e tenta viver em Porto Alegre – RS.

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