quarta-feira, 18 de março de 2015

O Parkinson, por Hugo(*)

Texto escrito a pedido de grupo no facebook.
Me convidaram para escrever sobre Parkinson. Basicamente sobre meus sentimentos diante da doença. Então escrevo. P'ra começar devo dizer que não aprecio nem um pouco este tal de Mr Parkinson. Mas como não tem saída, tenho que conviver com ele. Entre tu e tu, vais tu mesmo.
O ator Paulo José diz que vive num parkinson de diversões. No meu parkinson de diversões, só tem a casa mal assombrada e o trem fantasma. Cá entre nós, sempre a grama do vizinho é mais verde, ou seja, ao tratar-se de doença, a nossa é sempre a pior, pois nós é que sentimos o cutuco na própria pele, na própria carne. E afinal, cada caso é um caso.
Ter Parkinson é muito ruim. Tua vida física é praticamente tirada e tu começas a ficar mais introspectivo, para dentro. Há impactos e mudanças radicais na vida. Involuntários.
A vida era vivida meia intranquila. Uma ansiedade crescente tomava conta. Como nunca acreditei em remédios alopáticos, comecei a tomar florais. No final tomava aos baldes. Neca de pitibiribas de melhorar. Comecei o calvário com neurologistas. Fiz um exame de "eletroneuromiografia" que deu como diagnóstico síndrome acinética parkinsoniana. Daí o primeiro impacto, e creio que também para a grande maioria, o recebimento do diagnóstico. O chão se abre e tu fica pensando, e é fato, terás que tomar um remédio para o resto da tua vida.
Outras coisas ruins vão acontecendo e piorando ao longo do tempo, como os "offs", onde a dose do remédio passa e tu não consegues mais caminhar. Não conseguir trabalhar e ter que viver com aposentadoria do INSS, que por maior o teto que seja, é um tetinho baixinho, e cada vez mais baixo, que te faz figuradamente andar curvado. Quando não se consegue caminhar como bípede, temos que andar de 4 como quadrúpede.
A introspecção passa por se acreditar em depressão. Coisa que antigamente eu não acreditava. Na minha santa ignorância pensava ser frescura. Muitas coisas se passa a valorizar, não que as desvalorizasse antes, mas passa-se a ver com outros olhos, como a própria alimentação, que em razão da necessidade dos remédios passa por restrições. Atividade física também. Bebidas alcoólicas, que nunca abusei, passei a evitar. Controlar o horário de remédios, sempre vislumbrando situações de "on" para levar a cabo as intenções no futuro imediato.
Planos futuros deixam de existir, passando se a vislumbrar as próximas 24 horas, pois tu nunca sabes como estarás no dia seguinte, com uma tendência normal de sempre estares pior, afinal, é uma doença progressiva.
Triste vida, triste sina, ser poeta de latrina. Mas bem ou mal ainda pulsa. Grupos no Facebook, associações de doentes, passam a ser teus grupos de afinidades. Tudo isto vai resultar num texto um pouco sem linearidade como este, as vezes um pouco desconexo, fruto de uma cabeça como a minha. Já “border line”.
Em suma, TER PARKINSON É FODA!
Drogas, é um capítulo à parte. No presente. Poderíamos chamá-las de medicamentos, muito embora algumas sejam realmente umas porcarias, umas drogas. Começo com o levodopa, a mais notável em seus efeitos benignos. E também malignos. Foi descoberta no início dos anos 60 e é até hoje a grande protagonista de todos os tratamentos chamados de reposição da dopamina. Sem ela não estaria aqui escrevendo essas besteiras. É maravilhosa, um mal necessário. Digo mal porque até um bom tempo atrás as bulas da mesma explicitavam o risco, quando do término da dose, o chamado "off", de ideações suicidas. Estranhamente não consta mais. Tiraram. As demais drogas são coadjuvantes. Uma delas a Amantadina é meio que não fede nem cheira, de engolir, embora se tocar na língua tem um gostinho horrível. Dizem que era usada para tratar gripes e infecções, e por uma descoberta meio acidental, provoca a liberação de dopamina endógena. Deixa a pele com aspecto marmóreo e as unhas ressecadas e quebradiças. O cloridrato de biperideno e o trihexifenidil, particularmente este último, são drogas que afetam o comportamento. O trihexifenidil é a droga usada e ingerida com bebida alcoólica e consiste no famoso golpe "boa noite cinderela". No uso "adequado" tu vês passarinhos dando voltas na tua cabeça. Não preciso falar mais. Os agonistas, aqueles que simulam sinteticamente a dopamina, em especial o pramipexole, é famoso por causar compulsões como compras, sexo e jogos de azar, tendo sido objeto de várias causas judiciais no entorno deste mundo sem fronteiras. Há outras porcarias que nós usamos, mas estas citadas são as que tem mais ibope.
No futuro, o qual ironicamente, ou não, esperamos o mesmo novo velho levodopa, cujo nome comercial lá (EUA) é Rytary, um levodopa tipo "extended release". Aqui ainda não tem nem nome. Bastará engolir um comprimido por dia e ficaremos "on" durante um bom período. Promessa lá, para fevereiro deste ano (2015), mas não sei se deu certo, porque não ouvi nada mais a respeito. Deve ter dado zebra e penso que estejam em processo de aperfeiçoamento e melhoras do produto. O mesmo aconteceu com a rotigotina, a grosso modo um adesivo para pele que simula levodopa, que no inicio apresentou problemas, e ainda não disponível para brasileiros. Também inexistente por aqui o gel intestinal injetado por bomba de infusão.
Outro droga que está na moda, apenas moda, é o canabidiol, derivado da maconha. Mais barulho que eficácia, tendo o mito da maconha por trás. Ajuda no sono e no relaxamento muscular em geral. Dizem que fumar maconha dá no mesmo.
Temos ainda o dbs, cirurgia para poucos, tanto pela triagem, pela gestão das regulagens, como pelo custo. Mereceria capítulo à parte.
Elencaria uma grande série ainda maior de coisas ruins, mas não preciso escrever sobre isso, porque para ouvir sobre coisas ruins, basta ligar a tv no primeiro noticiário.
Diante de um quadro como este você se pergunta: o que então resta de bom nesta merda toda?
Por incrível que pareça, eu particularmente, com esta praga, acho que me tornei mais humano. Passei a perceber que a vida é para ser bem vivida, pois não a percebia, vivendo até então, na fase pré sintomatica, como num moto contínuo. Correndo p'rá lá e p'ra cá, sem me dar conta que estava vivo. Alguns dizem que este tipo de comportamento faz parte da personalidade pré sintomática do parkinsoniano. Enfim, vá saber. Agora estou vivo. É triste sim, saúde a gente valoriza quando não tem. Eppur si muove!
(*) Hugo – 59, diagnóstico aos 43, casado, dois filhos (1o casamento), dois enteados, três netos “tortos”, engenheiro, aposentado por invalidez pelo INSS, dbs, mora e tenta viver em Porto Alegre – RS.

Um comentário:

  1. Hugo, lúcido, sincero, claro é esse seu texto. Eu disse uma ocasião que Parkinson é uma merda,mas nós não somos uma merda. A merda na verdade está aí à solta, à nossa volta, cheia de neurólogos e pseudo-neurólogos, laboratórios que fodem a tua alma, na tentativa insana de fazer mais e mais dinheiro... Capitalismo à custa da dor alheia...Somos vítimas de um sistema cruel e somos vítimas de uma doença cruel, progressiva, que desabilita e fode a cabeça, faz virar um caramujo, ou faz sentir como uma uva itália que vai inevitavelmente virando uma uva passa, perdendo o suco da vida dia após dia, porém sem perder o sabor. Isso ao menos ainda nos resta - o livre pensar e enquanto ainda pudermos expressar ideias atraves das mãos, ou da boca, seremos a resistência, seremos o que é real, e retrataremos a doença com realidade, Belo texto!

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