domingo, 19 de abril de 2015

Café servido!

por Roberto Carlos Miessa Coelho(*)

Então você entra na fila do banco. Se usa andador já ficam de olho em você. E se o andador for com rodinhas você certamente será o centro das atenções. A pessoas te olham com aquela cara de quem pensa:
Onde vai esse cara com essa bicicletinha de 3 rodas? Onde estão os pedais?
Ou ainda:
Será que ele está vendendo Yakult?
Já não basta os tremores e a marcha lenta que já chamam a atenção, tem que ter o andador com rodinhas pra polarizar as atenções.
Muito bem, a fila andou... A próxima senha a ser chamada será a sua... Começa a preparação psicológica para evitar o freezing ao acender a luz com seu número de senha.
Na cabeça, inicia-se o momento de tensão máxima.
A sensação é de estar no grid de largada de uma prova de fórmula um. Ao seu lado Mc Larens, Lótus, Willians aceleram seus motores nervosamente e você também acelera firme seu Gol 1.0.
Luz vermelha! Em segundos vai acender a luz verde...
Respiro, respiro... Fundo porra! Respira fundo pulmão do cacete! Relaxa porque a porra da luz vai acender e eu não vou cair, NÃO VOU CAIR...
Acendeu a luz com meu número de senha! Calmo... Relaxo e dou o passo pra frente... Aí neste exato momento, mentalmente o pé foi... Só que não...
Foi... Foi a merda do pé que grudou no chão... E não sai...
Nessa milésima parcela de tempo passa pela minha cabeça um porrilhão de possibilidades, enquanto em câmara lenta, mais lenta ainda... Não! Muito, muito, muito mais lenta, afinal eu tenho Parkinson, inicia-se a queda...
O chão é o meu destino... Tá ali... Ao alcance do joelho ou da mão... Quem chegar primeiro...
Na cabeça que não pára, já vão pintando as desculpas para dar às outras pessoas da fila, pela queda...
“Que interessante a textura desse piso! Alguém ai na fila sabe onde tem pra comprar?”
“Nossa! Furou o pneu da frente do andador”...
O andador começa a ir para frente e para trás devido à força que eu faço para manter aquela merda estável.
O movimento sugestivo faz uma periguete da fila, olhar para mim com aquela cara de topo sim. Que horas e onde?
E a queda se inicia...
Olho para os lados procurando algo para me segurar e o que vejo é um carrinho de cafezinho que a servente vai começar a servir para os funcionários. Instintivamente me agarro ao carrinho que vem junto comigo em câmera lenta.
Xícaras, pires e colherinhas começam um balet mágico no ar... Lindo de se ver...
A duas garrafas térmicas, daquelas enormes compradas pelo contínuo na sua ultima viagem de turismo, nas suas férias a Ciudad Del Este, começam a queda com maestria. Uma delas dá uma pirueta no ar e vem vindo, ultrapassando as xícaras, ultrapassando os pires e as colherinhas, seguida pela outra garrafa e quando finalmente tocam o chão o café está servido para todos nós, clientes ou não, NO CHÃO.
A seguir um tilintar de xícaras se despedaçando, pires rodando sem parar no chão... Quando finalmente a última colherinha toca o chão, algum gaiato grita no final da fila:
Orrrra! Bebaço a esta hora???
Todos olham para mim, que morto de vergonha pergunto a todos:
Alguém anotou a placa do carrinho de café?

(*) publicado pelo autor no facebook.

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