segunda-feira, 10 de outubro de 2011

COLOQUEI UM APELIDO NELE!

Texto: Domingos Sávio Azevedo Cabral, presidente da Associação Potiguar dos Portadores de Parkinson (APOPP), fundada em 16 de maio de 2011, em Mossoró, com sede em Natal.

Sabem de quem me lembro ao escrever essa crônica? De Nelson Rodrigues. Gostava de ler suas crônicas, embora não gostasse de seus romances. Mas as crônicas eram uma leitura agradável, tinham uma peculiaridade própria na contextualização de redigir suas historias cotidianas. Gostava de suas frases de efeito, de suas ironias e do modo descontraído de escrever que prendia o leitor até o final, com hilariantes textos sempre eivados de muita alegria
O que mais gostava era de sua característica de criar personagens fictícios na elaboração de suas crônicas, retratando momentos da vida, sejam esportivos, comportamentais ou até mesmo com temas ligados ao social.
Hoje deparo com um personagem abstrato, mas não fictício. Tenho vontade de chamá-lo de Palhares, personagem de Nelson muito usado quando o escritor queria reportar algum canalha.
Taí um nome adequado para Mr. Parkinson: “canalha”. Há muito tempo procurava um apelido para ele, hoje encontro nas recordações das crônicas de Nelson Rodrigues o que Nelson chamava de “óbvio Ululante”. Pronto! Estou feliz como menino que encontra apelido para o colega de quem não gosta. Não é nome de santo nem tampouco é nome feio (filho da ...) que papai sempre me alertou a não praticar. Esse apelido é o óbvio ululante. Merecido, estava escrito nas estrelas, nas sombras das palavras de Nelson Rodrigues.
Não pensem que estou estressado, nem demasiadamente irritado; estou, sim, satisfeito em achar um apelido que concatenasse a realidade desse intruso em minha mente, com a alegria de externar meus descontentamentos e sentimentos sempre que tenho de falar na doença de Parkinson.
Pois são sempre assim os dias de convivência com Mr. Parkinson, ou melhor, Palhares. Estou sempre tendo que conversar com alguém sobre ele, seja com familiares, amigos em casa, no trabalho e até na rua. Não há como fugir dessa realidade: há sempre alguém que se preocupa com a nossa saúde, outro pela curiosidade, mais na frente observadores do nosso monótono andar parkinsoniano que, por mais que queiramos fingir, fica sempre visto a olho nu e que, em alguns momentos, até me faz rir, não sei se do meu andar ou dos observadores, ou às vezes até da minha imaginação, pois tenho constatado que, em muitas ocasiões, de fato sequer estão olhando numa permanente confusão entre o real e o imaginário.
O bom que nesse olhares a gente também aprende como as pessoas olham e de imediato fazem a sua configuração, suas interpretações, suas indagações; em outros eu sinto que parecem ser juízes a condenar ou absolver as pessoas que passam pelas suas mesas julgadoras do ineficaz comportamento. Por isso tenho exercitado a condição de ser portador de PK dentro da mais salutar convicção de que “viver é preciso”.
Escrevendo sinto a emoção de quem escreve tentando escrever com as dificuldades que a doença impõe, mas com a alegria de externar o que sinto. É como uma terapia para TER a sensação de retirar a rigidez do meu corpo, o tremer das minhas mãos e o Palhares do meu cérebro. Querem saber? Funciona e muito bem.
Essa alusão a Nelson Rodrigues e consequentemente a um de seus personagens é com certeza remanescente de minhas saudáveis leituras de adolescente e que hoje retornam ao presente mais uma vez, com a mesma intensidade do passado e respaldado pelo singelo prazer de escrever e curtir meu próprio dia-a-dia.
Domingos Sávio Azevedo Cabral

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